RÁDIOS COMUNITÁRIAS
Em busca do diferencial

Luis Renato Cruz Vieira de Andrade (*)

 

As rádios comunitárias hoje são uma realidade em algumas cidades do Brasil. Na capital paulista, por exemplo, é lamentável que até agora nenhum dos muitos processos tenha sido aprovado pela Anatel, órgão do governo que regulamenta as atividades destas emissoras. Enquanto isso, fica evidente a proliferação das rádios livres e piratas, funcionando ilegalmente em todo o Brasil.

Surgidas com o propósito de servirem às comunidades, as rádios comunitárias abraçam missões para lá de complicadas e uma legislação considerada polêmica. Há pelo menos dois pontos de vista ao aplicarmos a estas o rótulo de "comunitária":

** é comunitária porque pode gerar renda e capacitação profissional para os que moram na comunidade;

** é comunitária porque a sua programação, preocupada com a formação do cidadão, é voltada para a comunidade de onde tira os assuntos a serem propagados;

** é comunitária porque é gerida e programada democraticamente pela comunidade.

Caso não esteja dentro destes três vieses, a rádio pode ser considerada como tendo os seus objetivos precípuos deturpados e merece ser fechada sumariamente. Algumas rádios comunitárias seguem a receita do bolo ao imitarem as emissoras comerciais. Outras fazem uso eleitoreiro etc. Nestes casos, a rádio torna-se automaticamente ilegal e fechá-la seria a solução mais adequada. Porém, vamos analisar variáveis que dizem respeito ao verdadeiro papel das rádios comunitárias no país e seus desafios.

Embriões sadios

Diz a legislação pertinente que essas emissoras não podem auferir lucros. Mas precisam gerar fundos para sobreviver, pois, afinal, a manutenção de uma rádio ou qualquer outra estrutura comunicativa é custoso para qualquer cidadão.

Tanto o emissor quanto o receptor têm lá seus gastos. Muitas vezes, não temos a consciência de que uma TV ligada nos gera considerável custo mensal de recepção. Da mesma forma, as rádios comunitárias precisam pagar suas contas de água, de luz, de telefone, de alimentação, de transporte e de segurança, além de encargos trabalhistas.

O grande desafio é encontrar um ponto de equilíbrio entre o mercado e a sociedade sem a deturpação dos princípios comunitários. Outro fato complicador é a falta de consciência da sociedade com relação à cultura comunitária. Com o advento da tecnologia, as comunidades ficaram mais virtualizadas, mediadas e condicionadas à passividade pelas mídias em geral, ainda que os conceitos de interatividade comecem a ganhar espaço.

No Brasil, a cultura de comunicar-se para reivindicar ou a postura denominada pró-ativismo ainda estão em construção. O Brasil ficou décadas sob a ditadura militar e, desde o seu descobrimento, sob o manto do paternalismo de outros regimes governamentais. Desta forma, não é difícil perceber que o povo brasileiro ainda carrega no discurso e nos rituais diários a marca da herança opressiva. Atualmente, as pessoas, juntas ou não, assumem a postura de consumir, sejam bens materiais ou simbólicos. Até parece que consumir virou uma atitude comunicativa ou um pretexto para se exercer esta postura.

É bom esclarecer que o produto simbólico buscado e difundido pela rádio comunitária deve ser a própria vida da comunidade. Assim, a rádio comunitária deve propor o resgate da cultura local como fonte de alimentação principal da emissora. Essa vida comunitária, ao ser traduzida para a linguagem radiofônica, deve ser transmitida em sua programação diária de forma livre e diversificada através dos vários gêneros de programas adaptados a cada abordagem.

Apesar da carência de tempo reclamada pela maioria das pessoas, o próprio local onde a rádio está instalada deve funcionar como um centro comunitário de convivência. A emissora, desta forma, é consumida em conteúdo e em estrutura. Por outro lado, para bancar os custos operacionais do benefício, é preciso estimular situações que gerem receitas. Entram aqui as parcerias e as permutas. Os contribuintes da rádio deverão surgir naturalmente desde que esta traga um retorno social à comunidade.

Como exemplo podemos citar uma escola pública onde um grupo de pais com emprego e conscientes de seus deveres resolve contribuir financeiramente com a instituição. Existirá a contribuição desde que haja uma evolução sentida pelos pais na vida de seus filhos. Isto é associativismo. O mesmo deve ocorrer com o comércio ao redor da rádio comunitária. Quando há um benefício real para a sociedade, o apoio tende a aparecer.

Vale citar que algumas escolas felizmente já se mostram preocupadas com a comunicação e as suas conseqüências, cedendo estrutura para que rádios comecem a operar em suas instalações, em horários programados. Daí surgirem rádios experimentais nas escolas, embriões sadios de futuras rádios comunitárias.

Formação dos ouvintes

Para que os programas sejam bem acabados e agradáveis aos ouvintes, são necessários estudos que vão desde legislação específica até o conhecimento técnico sobre este veículo de comunicação por parte dos gestores e dos produtores. Portanto, a qualidade técnica e de gestão devem sobressair também nas rádios comunitárias. Quanto à qualidade da programação, a solução é a opção por outras músicas, outras idéias, outras culturas, outros gêneros e outros talentos. Assim, a rádio deve estampar em sua divulgação a marca "diferente" e usar de bom senso e criatividade para sair do lugar-comum.

Apesar de estar fadada a ser utópica em seu discurso original, o pano de fundo para os propósitos da emissora deve ser o conceito de gestão participativa, uma via de mão dupla. Enquanto concessão pública às associações civis, a rádio comunitária não deve e não pode ser utilizada como instrumento particular ou de autopromoção. As rádios comunitárias devem dialogar com a comunidade e convidá-la à participação através de idéias, de serviços, de contribuições financeiras etc. Assim, devem ser entendidas como um instrumento de inclusão social e de troca de benefícios.

O pequeno alcance geográfico de seu sinal vem da potência restrita do transmissor, porém, se bem utilizada, a rádio é capaz de produzir efeitos positivos que vão muito além de suas limitações técnicas e legais. Para isso, a rádio comunitária não deve em momento algum servir como fonte de distração e sim como fonte de engrandecimento da verdadeira cultura, do acesso ao conhecimento, de prestação de serviços e de apoio à formação comum dos ouvintes. Isto justifica a sua existência.

Desta forma, a rádio comunitária deve trazer um pouco de novidade ao disputado dial. Caso contrário, passará despercebida pelos ouvintes que a entenderão como mais uma emissora igual a tantas outras comerciais que existem por ai. Só estando dentro dos verdadeiros parâmetros legais é que a rádio comunitária estará exercendo o seu verdadeiro papel social. E a própria comunidade, desde que participante de sua gestão, não dará motivos para que esta venha a ser fechada.

Artigo reproduzido do boletim eletrônico AEPET (http://www.aepet.org.br), nº 336, 16/04/2004, da Associação dos Engenheiros da Petrobras.

(*) Luís Renato Cruz Vieira de Andrade (vieira.sor@terra.com.br) é administrador de empresas e especialista em Gestão de Processos Comunicacionais pela ECA-USP.

Outros sites onde este artigo foi publicado:

Observatório da Imprensa
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=274IPB003

Escola de Comunicação e Artes da USP
http://www.usp.br/educomradio/cafe/cafe.asp?editoria=COMH&cod=891

VIVAcidade Sorocaba
http://www.vivacidade.com.br/cidade_textos_interno.php?id_cidade=415

Caros Ouvintes
http://www.carosouvintes.com.br/index.php?option=content&task=category&sectionid=6&id=17&Itemid=56

Outros sites e artigos que fazem referências a este artigo ou ao autor:

Rádio: Espaço público para a comunidade
www.webjor.jor.br/noticias.asp?id=210
Webjor - Portal do Laboratório da Comunicação Social da Universidade Federal do Piauí (UFPI)